3 horas da manhã, não consigo dormir. Tudo vem á minha mente; principalmente nesses horários, quando eu largo o cachê e venho viver meu próprio personagem.
Meu quarto está escuro. A cortina rendada está esvoaçando com o vento poluído e tão adorado por mim. Para lá e para cá. Pensando assim, até parece meus pensamentos... Sempre tão inconstantes, cheios de lacunas, pontos de interrogação e reticências, sempre um vai e vem.
Luzes no Asfalto.
21 outubro, 2011
Não sei.
Não sei o que sinto. Não sei o que quero. Não sei para onde vou. Não sei o porque. Não sei com quem. Não sei como. Não sei onde. Não sei, apenas.
Brancos.
Sia está cantando para mim. Uma corrente de ar frio entra pela janela aberta da sala. Deitada aqui no sofá vejo o topo dos prédios da redondeza. Pergunto-me onde está você, o que está fazendo, pensando, com quem, por que. É 21 h e eu estou pensando em sair de casa.
Coloco meu jeans favorito, o mais confortável e surrado do armário. Um casaco preto, o de capuz. Meus coturnos, os londrinos. E solto os cabelos, os que servem como cachecol. Deixo chaves, carteira e bolsa em casa. Nunca gostei de carregar coisas. Gosto de minhas mãos assim, á minha disposição. O síndico me cumprimenta como de costume. Ele deve se perguntar o que tanto faço andando por aí, sozinha, á noite.
Sia continua cantando para mim. Na esquina á minha esquerda, há um menino. Um menino parado, olhando para o céu como se não estivesse aqui. Ele se parece com você. Olho mais atentamente e ele não está mais lá. Sabe, tem acontecido muito isso ultimamente. Confundir pessoas, cheiros, lugares... Tenho vivido meio nostálgica esses tempos.
Na próxima rua, há uma cafeteria. Gosto do café de lá. Nesta noite resolvo tomar um capuccino. Eles são bons. Há poucas pessoas por aqui, acho que por isso é um dos meus lugares favoritos em São Paulo. Ninguém detém minha atenção, nem conseguiriam. Estou na rua novamente. As luzes por aqui são bonitas, a chuva que começa á cair também. Coloco meu capuz, olho para os lados e atravesso a viela.
Essa chuva me lembra uma história que vivi certa vez, você estava nela. Nós ainda éramos amigos, e saímos juntos em um dia de chuva, para conversar. Estava relativamente frio. As ruas vazias, e as folhas, se amontoavam aos nossos pés. Você me fazia rir, como sempre. E eu não conseguia me manter calada. Você sempre teve esse efeito sobre mim, fazer-me falar mais do que de costume.
Você veste um moletom branco, a tua cara. Um jeans como os meus, velhos e surrados. Tênis All Star, e um relógio um tanto grande para seus braços magrelos e extremamente brancos. Sempre te achei muito branco e magro. Sempre te achei bem assim. Eu estou usando a boina que você me deu de aniversário, a vermelha de lã. Calças como as suas. Meus coturnos londrinos, os que você gostava. E uma blusa preta, de alcinha. Você diz ter achado ela horrível, mas me ajudou á escolhe-la na loja.
Está tarde e fica mais escuro conforme nossos passos trilham algum caminho. Você está me contando sobre seu último sonho. Eu gostei dele. É lindamente estranho, como nós. Você me pede para contar sobre meu último sonho. Eu não me lembro, mas tento me esforçar. Digo que acho que sonhei com você. Você ri e diz que deve ter sido um pesadelo. Eu digo que nunca houve pesadelos com você, á não ser aqueles em que você me salvava. Você ri, mas parece estar pensativo.
Eu olhei para cima, havia uma árvore, extremamente grande. Você estava me observando, e diz que nós gostamos de árvores. Eu concordo e paro ao seu lado. Você diz que gosta da chuva. E diz que gosta de mim. Eu digo que sempre soube, afinal, éramos almas-gêmea, e dou risada. Uma risada extremamente calma e feliz.
Você me beija, e nós rimos. Nos meus olhos surgem lágrimas, nos teus também. E eu já não sei o que é lágrima e o que é chuva. Mas eu sei que estou nos seus braços, seus braços brancos e magros. Os braços feitos para mim, para confortar a minha alma. Eu sinto sua felicidade se misturar á minha e sorrio novamente para você. Você diz que gosta de olhar o céu por meus olhos. Eu digo que é o mesmo que olhar pelos seus. Afinal, já não somos dois; nós somos um. Você concorda sorrindo, e cantarola uma de Sia para mim.
Um gato empurra uma lata de lixo perto de meu prédio. Tudo volta á ficar escuro e triste novamente. Eu desperto de meu sonho. Volto para a casa, tiro minhas roupas molhadas. Não me preocupo com outras. Não consigo pensar em muita coisa depois dessa lembrança extremamente nítida. Vou para a minha cama. Penso no menino que uma vez me abraçou. Meus olhos se enchem novamente de lágrimas. Elas já não são as mesmas. Já não fazem brotar um sorriso em meus lábios. Abraço meu travesseiro macio, o que o menino me deu. Adormeço, e tenho um pesadelo. Nele, ele aparece. Me salva e me reconforta mais uma vez, em seus braços brancos.
23 setembro, 2011
Culpados.
Estou com vontade de dormir, e com nenhum pingo de sono. Talvez seja culpa deste delicioso café ao meu lado, talvez seja culpa de meus problemas. E talvez a culpa seja, minha.
de outrora: 16/07/11.
Repreensão.
Mercado nos fins de semana é sempre a mesma coisa. Todo mundo reclama que o todo mundo saiu de casa justo quando mais se precisava de agilidade e rapidez por entre os corredores e caixas...
Passando pelas prateleiras, pego o necessário. Nada mais que o necessário, já que fico tão pouco tempo em casa. Na sessão de hortifruti, desanimo. Escolher frutas, vegetais e afins, nunca foi o meu forte. Então, dou início a minha mais recente e feia mania, observar as pessoas.
À minha esquerda, há uma senhora. Tão tranquila escolhendo cenouras que chego a ficar enfadada com essa visão. Provavelmente já não tem ninguém para lhe cobrar o almoço de meio-dia. Somente os netos mais tarde, prontos para ingerir a maior quantidade de sacarose que puderem.
Na sessão de bananas um homem de aparentemente 38 anos, a mulher o mandou aqui para abastecer a fruteira da semana, – creio eu. Com as mandioquinhas, uma mulher nova e seu mais novo ainda, bebê. Um casal de mãos dadas olha os pés de alface.
O mais distante de mim, há um homem de aproximadamente 27 anos, ele por sua vez não está comprando nada. Ele está olhando para mim, me observando. Vejo isso com uma surpresa imensa, logo eu, que estava tão discretamente observando á todos.
Após a surpresa, veio o medo. Coloco meu carrinho em movimento, esperando sair despercebida. Chego á fila do caixa, que parece não andar nem um milímetro. Olho para os lados, nenhum sinal do tal observador. Me sentindo observada, largo carrinho, largo tudo e vou rapidamente á procura de meu carro no estacionamento.
Carros entrando, carros saindo. Avisto meu carro no canto mais vazio do estacionamento e por isso mesmo, o mais caro para ser utilizado. Minha mão vai à procura da chave em minha bolsa, alarme desarmado, mão na porta. Alguém me empurra contra a lateral do carro e me vira, segurando-me pela cintura.
É ele, o homem do mercado. Em pânico, pergunto á ele o que deseja. Sua resposta não é nada mais que um sorriso. E para minha enorme e segunda surpresa do dia, é um sorriso verdadeiro, sem sombra alguma de qualquer má intenção.
Torno a perguntar o que ele deseja, e dessa vez ele me dá um pedaço de papel pardo. Sem qualquer explicação, se vira e vai embora. Atordoada, entro no carro. Abro o pedaço de papel e leio:
- Enquanto você pensava estar observando, sem ser observada, eu acompanhava todos teus passos. Atrevo-me a dizer que provavelmente mora sozinha, por quais e pela quantidade de produtos que tinha em teu carrinho. Ojeriza inhame ou simplesmente não gosta, pela careta que fizestes ao passar por eles. Analisou atentamente a senhora que num primeiro momento, estava á sua esquerda. Assustou-se ao perceber-me ali no canto, olhando para você, simplesmente. Não tenha medo de mim, apenas achei-a interessante; e nem ao menos sei por quê.
P.S.: Seus sapatos são lindos, - me parecem de boneca.
Um sorriso bobo e inadequado brota em meus lábios. Mas logo me recomponho e me trago novamente á realidade. Cautelosamente saio do estacionamento. Coloco-me a pensar no ocorrido, e me sinto estranhamente insegura. Se o homem fosse uma pessoa mal intencionada neste momento eu poderia estar na delegacia, prestando queixa pelo roubo, ou pior, morta.
Decepcionada comigo mesma pela falta de cuidado, volto para meu apartamento. Sem permitir mais nenhum deslize em minha conduta, tomo um banho, almoço e recomeço meu trabalho. Após esquecido os meus ideais de romance platônico-psicopata-conto-de-fadas, que foi a idéia que se expeliu de meu subconsciente mais cedo, volto ás equações químicas.
de outrora: 14/11/10.
Me explique!
Menino, me explique porque você me parece a melhor alternativa de resolução pros meus problemas, para a minha aflição e para a dor!
de outrora: 18/02/11.
There is a light that never goes out.
Essa taça de vinho á minha frente deveria ter permanecido cheia. Não agüento ficar mais nem 1 minuto neste salão. Despeço-me de Luísa e saio para a rua; ciente de todos os olhares reprovadores e admiradores acompanhando minha silueta esguia.
Os sons de buzina, escapamentos, e outros corriqueiros sons da noite agitada, são mais reconfortantes que os tintilar de taças, o burburinho de conversas fúteis e os falsos dois beijinhos, por favor.
Começa á chover, o asfalto passa de um tom fosco para brilhante. Sempre gostei deste efeito, o das luzes sendo refletidas pelo asfalto molhado. Caminho tranquilamente por essas ruas tão conhecidas por mim. Estou com fome. O restaurante mais próximo é japonês.
Sento em uma das mesinhas, felizmente, confortáveis. Peço um Temaki e um chá verde. Minutos passam. Enquanto como, reparo em um homem do outro lado do restaurante. De olhos amendoados, cabelos castanhos rebeldes, calça bege e um suéter cinza, ele está á me encarar.
Sustento o olhar e para meu espanto, vejo o estranho vindo em direção á minha mesa. Não me sinto assustada ou qualquer coisa do tipo, mas acho muito estranho. Até hoje, todos que receberam meu olhar intimidador, desviaram rapidamente, pois entenderam que eu não estava nem um pouco interessada.
- Posso sentar-me aqui? Perguntou o estranho. Que além de bem vestido, era cheiroso e muito mais bonito de perto.
- Se você faz questão. Respondi carrancuda.
- Meu nome é Henrique. Desculpe a intromissão, mas fiquei curioso em te conhecer. Essa sua tatuagem é parte de uma música do The Smiths, não?
Legal. O estranho poderia não ser tão desprezível assim.
- There is a light that never goes out. Gosta?
- Muito. Sou fã dos Smiths desde minha adolescência. Estou tentando comprar todos os LPs disponíveis deles.
- Já foi na Alternative Records dar uma olhada? Respondo após tomar um gole do meu chá, contemplando aquele olhar intrigante.
- Sim, passei lá na semana passada. Levei todos que eles tinham. Mas ainda faltam alguns para a coleção.
Hum, o tal do Henrique conhecia coisas de qualidade, isso eu tinha que admitir.
- Foi um prazer lhe conhecer, Henrique. Até a próxima. Levanto-me e encaminho-me até a porta.
- Espere. Posso te acompanhar?
- Se você faz questão.
Eu já estava cansada. Cansada de todo mundo, querendo ir para casa, beber mais alguns litros de álcool, e o tal Henrique parecia legal. Por isso, deixei-o fazer-me companhia.
Andamos por não sei quanto tempo, em silêncio. Procurei nos bolsos de meu vestido, minha carteira de cigarros. Um “click” de meu isqueiro e pronto! Henrique estava cantarolando uma música que eu identifiquei ser do Chico Buarque.
- Ela desatinou?
- Hahaha. Ele riu. – Conhece as do Chico Buarque? Perguntou ele surpreso.
- Sim. Sou muito fã de Bossa, e MPB. Tenho todos os CDs dele.
Estávamos passando por uma praça, uma de minhas favoritas. As luzes entre aquelas árvores frondosas, contrastando com a delicadeza daqueles banquinhos de madeira me fascinavam.
Henrique parou em minha frente. Olhei para aqueles olhos intensos me fitando, e me dei conta que estava caminhando e conversando com um desconhecido. Eu e minha estranheis, óh deus. Inesperadamente, ele posicionou sua mão em minhas costas e apertou a outra contra a minha, esticando meu braço em direção ao horizonte.
- Você está louco, é? Perguntei com um sorriso zombeteiro nos lábios.
A louca devia ser eu; por deixar aquele homem estranho me acompanhar pelas ruas escuras de São Paulo.
- Você caminha e conversa com estranhos, e eu sou o louco? E se eu fosse um cara mal intencionado, querendo lhe fazer algum mal?
Com a mão livre, dei um trago em meu cigarro e soltei-o em direção ao chão. Olhei para o rosto de Henrique, ele era lindo e muito charmoso.
– Hahahaha. Posso estar enganada, mas acho que você não fará mal á mim.
- Você pode estar enganada. Disse ele com os olhos cintilando á luz do postes.
Coloquei minha mão em seu pescoço, e logo, ele estava conduzindo uma dança pela praça. Espantei-me ao constatar que ele era um exímio dançarino. Em nenhum dos anos em que fiz aulas de dança, dancei como naquela noite. Nem com meus professores.
Seu corpo se moldava ao meu, e seus olhos não desviavam de meu rosto em nenhum momento. Á contra gosto peguei-me adorando aquela dança, aquele rosto, aquele corpo, aquele sorriso.
- Quando vestida de preto, dá-me um beijo seco e prevejo meu fim... Henrique cantarolou.
Ouvindo aquela voz aveludada, mas ao mesmo tempo grossa, cantando uma de minhas músicas preferidas, não pude resistir. Beijei aquele homem estranho, e gostei. Henrique parou de dançar, uma de suas mãos continuou em minhas costas e a outra foi parar em meus cabelos, afagando minha nuca. Como em um filme cheio de clichês, coloquei meus braços em volta de seu pescoço e entreguei-me àquele beijo, como nunca outrora fiz.
Desvencilhei-me e olhei para ele. Eu podia ver meu reflexo em seus olhos. Eu estava extasiada e ele também. Afastei-me de Henrique com um sorriso desafiador no rosto, e para seu espanto fui embora correndo por entre as árvores, rindo alto.
de outrora: 18/07/11.
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