Essa taça de vinho á minha frente deveria ter permanecido cheia. Não agüento ficar mais nem 1 minuto neste salão. Despeço-me de Luísa e saio para a rua; ciente de todos os olhares reprovadores e admiradores acompanhando minha silueta esguia.
Os sons de buzina, escapamentos, e outros corriqueiros sons da noite agitada, são mais reconfortantes que os tintilar de taças, o burburinho de conversas fúteis e os falsos dois beijinhos, por favor.
Começa á chover, o asfalto passa de um tom fosco para brilhante. Sempre gostei deste efeito, o das luzes sendo refletidas pelo asfalto molhado. Caminho tranquilamente por essas ruas tão conhecidas por mim. Estou com fome. O restaurante mais próximo é japonês.
Sento em uma das mesinhas, felizmente, confortáveis. Peço um Temaki e um chá verde. Minutos passam. Enquanto como, reparo em um homem do outro lado do restaurante. De olhos amendoados, cabelos castanhos rebeldes, calça bege e um suéter cinza, ele está á me encarar.
Sustento o olhar e para meu espanto, vejo o estranho vindo em direção á minha mesa. Não me sinto assustada ou qualquer coisa do tipo, mas acho muito estranho. Até hoje, todos que receberam meu olhar intimidador, desviaram rapidamente, pois entenderam que eu não estava nem um pouco interessada.
- Posso sentar-me aqui? Perguntou o estranho. Que além de bem vestido, era cheiroso e muito mais bonito de perto.
- Se você faz questão. Respondi carrancuda.
- Meu nome é Henrique. Desculpe a intromissão, mas fiquei curioso em te conhecer. Essa sua tatuagem é parte de uma música do The Smiths, não?
Legal. O estranho poderia não ser tão desprezível assim.
- There is a light that never goes out. Gosta?
- Muito. Sou fã dos Smiths desde minha adolescência. Estou tentando comprar todos os LPs disponíveis deles.
- Já foi na Alternative Records dar uma olhada? Respondo após tomar um gole do meu chá, contemplando aquele olhar intrigante.
- Sim, passei lá na semana passada. Levei todos que eles tinham. Mas ainda faltam alguns para a coleção.
Hum, o tal do Henrique conhecia coisas de qualidade, isso eu tinha que admitir.
- Foi um prazer lhe conhecer, Henrique. Até a próxima. Levanto-me e encaminho-me até a porta.
- Espere. Posso te acompanhar?
- Se você faz questão.
Eu já estava cansada. Cansada de todo mundo, querendo ir para casa, beber mais alguns litros de álcool, e o tal Henrique parecia legal. Por isso, deixei-o fazer-me companhia.
Andamos por não sei quanto tempo, em silêncio. Procurei nos bolsos de meu vestido, minha carteira de cigarros. Um “click” de meu isqueiro e pronto! Henrique estava cantarolando uma música que eu identifiquei ser do Chico Buarque.
- Ela desatinou?
- Hahaha. Ele riu. – Conhece as do Chico Buarque? Perguntou ele surpreso.
- Sim. Sou muito fã de Bossa, e MPB. Tenho todos os CDs dele.
Estávamos passando por uma praça, uma de minhas favoritas. As luzes entre aquelas árvores frondosas, contrastando com a delicadeza daqueles banquinhos de madeira me fascinavam.
Henrique parou em minha frente. Olhei para aqueles olhos intensos me fitando, e me dei conta que estava caminhando e conversando com um desconhecido. Eu e minha estranheis, óh deus. Inesperadamente, ele posicionou sua mão em minhas costas e apertou a outra contra a minha, esticando meu braço em direção ao horizonte.
- Você está louco, é? Perguntei com um sorriso zombeteiro nos lábios.
A louca devia ser eu; por deixar aquele homem estranho me acompanhar pelas ruas escuras de São Paulo.
- Você caminha e conversa com estranhos, e eu sou o louco? E se eu fosse um cara mal intencionado, querendo lhe fazer algum mal?
Com a mão livre, dei um trago em meu cigarro e soltei-o em direção ao chão. Olhei para o rosto de Henrique, ele era lindo e muito charmoso.
– Hahahaha. Posso estar enganada, mas acho que você não fará mal á mim.
- Você pode estar enganada. Disse ele com os olhos cintilando á luz do postes.
Coloquei minha mão em seu pescoço, e logo, ele estava conduzindo uma dança pela praça. Espantei-me ao constatar que ele era um exímio dançarino. Em nenhum dos anos em que fiz aulas de dança, dancei como naquela noite. Nem com meus professores.
Seu corpo se moldava ao meu, e seus olhos não desviavam de meu rosto em nenhum momento. Á contra gosto peguei-me adorando aquela dança, aquele rosto, aquele corpo, aquele sorriso.
- Quando vestida de preto, dá-me um beijo seco e prevejo meu fim... Henrique cantarolou.
Ouvindo aquela voz aveludada, mas ao mesmo tempo grossa, cantando uma de minhas músicas preferidas, não pude resistir. Beijei aquele homem estranho, e gostei. Henrique parou de dançar, uma de suas mãos continuou em minhas costas e a outra foi parar em meus cabelos, afagando minha nuca. Como em um filme cheio de clichês, coloquei meus braços em volta de seu pescoço e entreguei-me àquele beijo, como nunca outrora fiz.
Desvencilhei-me e olhei para ele. Eu podia ver meu reflexo em seus olhos. Eu estava extasiada e ele também. Afastei-me de Henrique com um sorriso desafiador no rosto, e para seu espanto fui embora correndo por entre as árvores, rindo alto.
de outrora: 18/07/11.
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